sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O ENSINO DE SOCRATES A LACAN”


Enquanto os sofistas construíam um legado de conhecimento baseado na oratória e no poder de sugestão que se encerra na mesma, Sócrates almejava alcançar o saber verdadeiro. Mas o que viria a ser o saber verdadeiro? Para Sócrates, um saber baseado na razão e para o qual não haveria a necessidade de um mestre a transmiti-lo, visto ser esse imanente aos sujeitos. Esse conhecimento inato seria resultante do acúmulo de experiências vivenciadas ao longo das encarnações, portanto, acessado por meio de reminiscências. Em Mênon, diálogo de Platão, Sócrates apresenta o conceito de que não é possível ensinar nada que o outro já não saiba. No decorrer do diálogo, Sócrates busca demonstrar sua teoria com o auxílio de um escravo, portanto, alguém que não havia passado por nenhum tipo de instrução, e que ainda assim poderia demonstrar conhecimentos inatos sobre qualquer área das ciências humanas, já que as mesmas se encontravam adormecidas em sua alma. Ao interrogar o escravo, o mesmo foi conduzido a reconhecer o ponto limite de suas reflexões, ou seja, a reconhecer que não sabia a solução, estando agora pronto para buscar a verdadeira resposta à questão geométrica apresentada. Sócrates acredita que o escravo chega à resposta apenas por via intuitiva, mas esta somente foi possível graças às intervenções de Sócrates quanto este desenha na areia a sucessão das reflexões. Podemos notar que apesar de Sócrates criticar a postura monológica dos sofistas, ao empregar uma postura dialógica, não deixa de ocupar o lugar de mestre na relação, pois faz intervenções que conduzem seu interlocutor a chegar na suposta verdade.

Ao refletir sobre as ponderações socráticas, Lacan propõe outro modo de compreendermos o que viria a ser o saber verdadeiro, ou pelo menos, de onde esse viria e como estaria estruturado. Para Sócrates o saber viria pelo emprego da razão, pelo plano intuitivo, ou seja, a solução dos problemas estaria ligada às próprias percepções e às aparências das situações. Baseando-se no mesmo diálogo de Platão, Lacan busca elucidar a questão da verdade sobre outro prisma, e para tanto, demonstra que a resposta emitida pelo escravo rompe com o plano intuitivo, e se dá pela assunção do plano simbólico. Durante o diálogo, no momento em que o escravo não encontra outro modo de solucionar o problema geométrico, persistindo na impossível tarefa de duplicar a área do quadrado pela duplicação de seu lado, Sócrates oferece um saber que o escravo não detinha, uma demonstração simbólica, irracional, presente na √2 da diagonal do quadrado, que possibilitou a resolução final da questão. Podemos perceber que Sócrates, na verdade, não deixa o escravo saber por si só, mas oferece-lhe um conhecimento, como fazem os mestres. Lacan vem justamente apontar a questão da maestria no modelo de ensino e aprendizagem, se no modelo sofista ela era imperante, apesar de Sócrates criticar e realizá-la de modo dialógico, não deixa de ocupar esse lugar de mestre.

A grande diferença entre Sócrates e Lacan, é que enquanto o primeiro trabalha no plano intuitivo/consciência, o segundo o faz sobre o simbólico/inconsciente. Para Lacan, o verdadeiro saber seria da ordem do inconsciente, que se estrutura através da linguagem, pelo plano simbólico, e sobre esses pilares, propõe uma alternativa ao modelo de ensino e aprendizagem.

Mas antes de adentrarmos especificamente na prosta lacaniana, faz-se necessário compreendermos o modo como ele concebe o sujeito. Como psicanalista, Lacan entende que o lugar do pensamento, para além do plano consciente, situa-se no inconsciente, e seu acesso não se dá pela razão, mas pelo fato de fazer-se analisar. Esta análise é possível uma vez que o inconsciente é estruturado como linguagem, ou seja, através dos significantes enunciados, tem-se acesso ao inconsciente. Entre as articulações de um significante e outro, produz-se o discurso inconsciente do sujeito, e é na medida que algo de irracional aparece no discurso que o analista pode ir além daquilo que lhe é falado, interpretando e provocando mudanças subjetivas no sujeito analisado no decorrer do deslize de significantes. Diz-se desta forma que o sujeito é efeito de significante. E é sobre essa possibilidade de mudança subjetiva que se baseia o ensino de Lacan.

Lacan funda a Escola Francesa de Psicanálise, na qual, o modelo de ensino e aprendizagem, segue a proposta do que ele denomina de Cartel. O funcionamento dessa modalidade subtrai, de vez por todas, a figura do mestre, e elege como base do processo de aprendizagem o desejo do próprio sujeito em aprender.

O Cartel se formaliza em um pequeno grupo de estudo, com 3 a 5 pessoas, ocupando esta quinta o lugar de MAIS UMA, ou seja, aquela que irá velar pelo andamento do grupo e provocá-lo em suas reflexões. São quatro e MAIS UMA comprometidas na produção de um trabalho individual, para o qual a resposta não está em um outro a transmitir o conteúdo, mas que se faz junto com o outro, ou seja, é derivado de uma estrutura coletiva. O grupo original se reúne pelo período máximo de um a dois anos, momento no qual os grupos são permutados, a fim de se evitar o efeito de cola (também chamado de efeito de grupo), ou seja, evitar que os grupos fiquem eternamente na mesma formatação e não vivenciem outras possibilidades de trocas. Interessante notar que ao final de um ano, cada membro do Cartel terá realizado uma produção individual, e esta certamente se diferencia da que viria a ser produzida caso realizada sem a mediação dos outros membros. Isso significa dizer que o trabalho de cada um é conseqüência de um efeito de sujeito, ou seja, de uma produção do inconsciente. Podemos afirmar que se há um mestre presente no Cartel, este seria o inconsciente.

De modo similar, na metodologia EAD, o professor tutor coloca-se no lugar de MAIS UM diante dos grupos de encontros semanais, orientando as produções individuais de modo coletivo. Espera-se que os alunos, munidos de estudos prévios, possam compartilhar com os demais suas reflexões, possibilitando a cada membro novas elaborações. Partindo do pressuposto que nenhum dos membros, tampouco o tutor, sejam detentor do saber absoluto, visto ser este jamais alcançado, todos se vêm lançados em uma busca incessante impulsionada pelo desejo de aprender.

Grupo: Andréa, Karla Suzana e Tatielly

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